Caso 1

ID.: Sra. Josefa, 76 anos, viúva, do lar, 4 anos de escolaridade. Vem acompanhada à consulta pela filha, com quem mora atualmente.

Q.D.: Dificuldades de memória e apatia há 2 meses.

H.M.A.:

Há 10 anos, a paciente foi morar sozinha em Praia Grande e fazia todas as atividades da casa, cuidava das finanças e esporadicamente viajava para São Paulo para visitar a filha. A filha refere que há dois anos a paciente começou a apresentar esquecimentos, mas “acreditou que fosse da idade”. Às vezes deixava panela queimar no fogo e esquecia onde guardava alguns objetos. Há um ano, os vizinhos da paciente relataram que ela se perdeu em duas ocasiões e numa delas precisou de ajuda para voltar para casa.

Há seis meses, a filha trouxe sua mãe para morar junto consigo, pois estava piorando da perda de memória: encontrava-se repetitiva, esquecia compromissos e pagamentos e estava com dificuldade de manter a casa organizada. Procurou atendimento médico, no qual foi informada que esse problema era da “idade” e foi prescrito donepezil.

A filha acredita também que a mãe ficou mais quieta, apática e esquecida após a mudança de casa, com piora importante há dois meses, e deseja saber se o que a mãe tem é Alzheimer, porque leu isso na bula do medicamento.

Quando a paciente é questionada, responde que “não há nada de errado com a sua memória”, sua filha está exagerando e não a deixa fazer mais nada, já que a casa não é dela.

AP.:

Gastrectomia há 30 anos por úlcera; quedas (4 episódios em 6 meses, não presenciados).

Medicamentos em uso: diazepam 10mg/noite há 5 anos por insônia, e donepezil 5 mg/dia há 6 meses.

Avaliação cognitiva de rastreio: Mini-Exame do Estado Mental = 15, Fluência verbal 7 animais/1 minuto

AIVD: Apenas usa telefone e lava pequenas peças de roupa

ABVD: Mantém todas.

Exame físico (dados relevantes):

Bom estado geral, descorada +/4+ FC = 88 bpm PA = 130 x 80 mmHg

Abdomen: cicatriz paramediana D.

Neuro: discreta hemiparesia D.

Questões para discussão:

  1. As queixas de memória da paciente representam alterações da senescência?

    Não. Houve perda da autonomia e independência. As queixas se assemelham a queixas presentes em um processo de senilidade.

    Repetitiva, Esquece compromissos, Problemas de organização e Função executiva, Declínio da orientação espacial, Quieta, Apática

  2. É possível pensar em síndrome demencial nesse caso? Por quê?

    Sim. Houve prejuízo progressivo das habilidades cognitivas, severo o suficiente para interferir nas atividades sociais e ocupacionais habituais do indivíduo

    Preocupação da filha

    Interferência nas atividades da vida diária

    Repetitiva, Esquecer informações previamente conhecidas, Desorganização (ex.: guardar coisas em locais não usuais), Dificuldade em reconhecer locais e se localizar, Perder-se em locais conhecidos, Necessidade cada vez maior de supervisão e auxílio para atividades, Perda progressiva da independência e autonomia, Anosognosia

  3. É possível pensar em depressão nesse caso? Por quê?

    Não. As queixas de quietude e apatia podem aparecer no quadro demencial. Não há quadro clínico compatível. Há apenas déficit de atenção

    A depressão não tende ser tão longa e progressiva como o quadro da paciente

    Não foi investigada a presença de outros sintomas presentes na depressão, como tristeza e anedonia, sentimento de inutilidade, alterações de sono e apetite, pensamentos de morte, fadiga etc

  4. Quais possíveis fatores reversíveis de declínio cognitivo podem ser identificados?

    A presença de hemiparesia direita pode estar relacionada à presença de uma alteração no lado esquerdo do cérebro

    Nesses casos, é essencial fazer um exame de neuroimagem

    É possível que a paciente tenha um AVC prévio

    A presença de quedas também podem estar associadas à presença de hemiparesia

    As quedas não foram presenciadas, pode ter acorrido TCE, com o estabelecimento de um hematoma subdural

    Os hematomas subdurais se expandem insidiosamente, com piora cognitiva progressiva e pode cursar com hemiparesia

    A gastrectomia pode estar relacionada à diminuição da absorção de nutrientes como a vitamina B12, o que pode estar associado a alterações cognitivas

    O uso de diazepam pode causar lentidão (diminuição acentuada da velocidade de processamento) e levar alterações de memória, além de aumentar o risco de quedas

Em função do início muito insidioso, podemos pensar em Doença de Alzheimer

Porém devemos fazer uma investigação mais detalhada sobre a deficiência de vitamina B12 e sobre as quedas

Caso 2

ID:. Sr. Leôncio, 81 anos, viúvo, branco, dentista, aposentado, 16 anos de escolaridade, natural e procedente de São Paulo/ SP, mora sozinho.

Q.D.: Esquecimento há 6 meses.

H.M.A.:

Paciente procura o consultório preocupado por apresentar esquecimentos há cerca de 6 meses. Acha que sua capacidade de concentração está diminuindo e não consegue se lembrar do nome das pessoas.

Mora sozinho e é síndico do edifício onde reside. Recentemente, esqueceu-se de um compromisso social. Seu maior incômodo é perceber que está desatento, com os pensamentos mais lentos. Conta que às vezes esquece até de tomar seus medicamentos para hipertensão.

Está viúvo há 1 ano e tem apenas 1 filho que mora nos Estados Unidos. Há 2 meses não tem mais vontade de fazer as tarefas habituais. Conversa pouco e se sente irritado às vezes. Perdeu 5 kg em 3 meses. Refere perda do apetite. Dorme todos os dias às 23h e acorda às 4h. Seus poucos amigos e os moradores do edifício, entretanto, elogiam sua memória e capacidade, apesar do paciente perceber redução de seu desempenho.

Quando questionado ativamente, diz estar adaptado e nega tristeza por viver sozinho, entende que o filho não possa estar mais próximo. Sente saudades da esposa, de quem ele cuidou, e que faleceu após longo período de doença e dependência.